O
menino piscou os olhos, uma, duas, três vezes. Tentando descobrir onde estava.
Seu olhar antes perdido, agora voltava a se fascinar com os pequenos aviões
que, hora ou outra, voavam de um lado para o outro, e depois se perdiam na
imensidão do céu. Estava escuro, e ele não se importava em observar o anoitecer
no topo de sua casa. Ia ali toda noite, observar os aviões decolarem e
voltarem, para o aeroporto próximo da onde morava.
Mas
onde sua mente estava enquanto sonhava? O menino se esforçou tentando lembrar,
mas nada conseguiu. Apenas sabia que estava bem longe, imaginando como seria
voar, provavelmente. Talvez até soubesse o que era. Quase sempre era a mesma
coisa. Sonhava sobre como era estar suspenso no ar, sem nada lhe prendendo ao
chão, como um super-herói. Sonhava como era estar entre as nuvens e poder ver
tudo bem pequeno de lá de cima. Só não sonhava sobre como era chegar ao destino
final, pois o trajeto era sempre a melhor parte da viagem. A expectativa era
sempre a melhor parte.
E
dali onde estava não podia fazer muito. Ás vezes deitava sob as estrelas e
esperava um avião passar sobre ele, enquanto o acompanhava com os olhos,
esperando ele desaparecer. Outras vezes, contava um a um, até sua mãe o mandar para
a cama. Gostava de contar estrelas também, mas morava na cidade grande e sua
mãe dizia que daria rugas se contasse aqueles pequenos pontos brilhantes no céu
noturno.
E então, silenciosamente, ele ignorava as palavras de sua mãe, e
tentava contar uma a uma as poucas estrelas que traziam graça ao céu. Sempre
analisava seu rosto após a contagem, e poderia afirmar que o sua mãe dizia era
um mito, já que nunca teve ruga nenhuma em seu rosto. Foi aí que começou a
duvidar do que os adultos diziam. Descobriu que as pessoas mentem, e jurou ao
céu que não faria a mesma coisa.
Sempre
que podia ele subia até o topo de sua casa e ficava ali, fitando os aviões irem
e virem. Gostava de imaginar qual seria a história de cada um que estivesse
viajando. Sabia que tinha pessoas realizando sonhos, pessoas indo matar
saudade, gente que estava com o coração partido porque seu amor fora deixado
ali onde o menino estava, em terra firme, e tinha que voar para longe.
Costumava contar suas supostas histórias para seus pais, no meio do jantar, no
momento em que seu pai fazia uma pausa dos ocorridos em seu serviço, que o
deixavam extremamente estressado. Contava com brilho nos olhos as histórias de
amor que poderiam ter acontecido sob sua cabeça. Um dia, seu pai lhe contou que
a vida não são apenas estrelas, e que tinham pessoas que também estava voando
por obrigação.
Voando
por obrigação. Por obrigação! Seria possível isso? No mesmo momento, o garoto
se recusou a acreditar. Como uma pessoa poderia voar por obrigação? Voar soava
tão maravilhoso, que parecia algo que todos deveriam tentar na vida, algum dia.
Como poderia ser algo ruim? O menino recusou-se a acreditar, e seu pai,
repreendido por um olhar de sua mulher, suspirou.
-
Tem razão, meu filho. Disse besteira. Como alguém pode voar por obrigação?
-
Eu vou voar um dia. – o menino declarou despreocupado, mexendo na comida em seu
prato, sem nem prestar atenção em suas palavras. Como se aquilo não fosse nem
uma decisão, mas sim um fato.
-
Deveria ser escritor, já que gosta de imaginar histórias. Poderia começar a
escrevê-las. Que tal? – sua mãe lhe sugeriu, mas o garoto balançou a cabeça de
um lado para o outro.
-
Não. Eu não quero escrever as histórias das pessoas, quero ajudar elas a
realizarem as suas. Quero ajudá-las a tornar seus sonhos realidade. – ele
disse, olhando no fundo dos olhos da mãe, desviando o olhar para seu pai. –
Tenho uma amiga que sonha em ir para a Disney e sei que muita gente sonha isso.
Então quero ajudar ela a realizar. – ele deu de ombros, enquanto sua mãe sorria
ao ouvir as palavras do filho, e seu marido fez o mesmo.
-
Que bom, meu filho. Sabia que você tem razão? – seu pai lhe perguntou e ele
voltou sua atenção a ele. - Você vai mesmo voar um dia. Toca aqui. – e então o
menino bateu na mão de seu pai e voltou a comer.
Seu
pai, sempre que podia, trazia miniaturas de avião para o garoto, que perdia as
horas brincando no telhado de sua casa. O homem também achou no filho a solução
de toda aquela impaciência que carregava após um dia estressante. Ia até o
telhado e via garoto observando os aviões de um lado para o outro. Seu pai
sentava ao seu lado e ouvia todas as supostas histórias que o garoto gostava de
inventar.
E
assim o menino virou homem, com um mesmo sonho sendo mantido em seu coração.
Dúvidas e outras opções surgiram ao longo dos anos, mas toda vez que subia no
telhado nos fins de tarde, a sua dúvida desaparecia, assim como os aviões no horizonte.
Suas visitas ao topo de sua casa tornaram-se cada vez menores, por causa de
seus afazeres. Quando tinha tempo, subia ali e lembrava-se de quando ainda era
pequeno e sonhava em estar lá em cima. Ele costumava se comparar com ele no
passado, e via o contraste da idade fazer ele desconhecer seu antigo eu. Mas
sabia que ele ainda era o mesmo.
Anos
se passaram e o garoto sentiu um frio na barriga incontrolável quando marcou
“Aeronáutica” como opção do seu futuro. Murmurou para si mesmo que o primeiro dia
de aula, seria o começo da realização de um antigo sonho. Ele se formou e seus
pais sentiram-se as pessoas mais orgulhosas de todo o mundo. O garoto sentia-se
realizado, de um jeito que sabia que nada mais poderia fazê-lo sentir-se da
mesma forma novamente. Não precisava mais inventar histórias para contar, sabia
de todas elas e tinha as suas próprias para contar. Voava
sempre, levando pessoas de lá para cá.
Descobriu que o que seu pai disse era
verdade. Havia pessoas que voavam por obrigação, e sabia que também partia
alguns coração ao decolar. Mas ignorava isso, porque o número de sorrisos que
via ao levantar vôo, era maior do que a quantidade de lágrimas. Também quebrou
seu juramento ao céu, aprendendo que mentir, ás vezes, era necessário.
Lembra
da garotinha que queria ir para a Disney? Ele a levou para lá e graças a isso,
a levou em muitos mais lugares do que poderia imaginar. Foram até as estrelas
juntos, quase. Descobriram diversos lugares, nunca antes freqüentados por eles
antes e encontraram o amor numa dessas viagens, fazendo o garoto sentir-se
realizado novamente, fazendo-o ver que era mentira quando pensou que nunca mais
se sentiria assim.
Anos
depois de que seus sonhos se realizaram, ele voltou para sua casa. Cumprimentou
seus pais e perguntou se as rugas que tinha em seus rostos eram resultado da
contagem de estrelas. Eles responderam que sim, enquanto riam, mas o garoto
sabia que não. Foi lentamente até o topo da sua casa, podendo ver o contraste
de seus antigos eu’s a cada degrau que subia, até chegar a ver a cor que o fim
de tarde trazia ao céu.
Sentou-se
ali, sozinho. Fitou o céu e começou a observar os aviões irem de um lado para o
outro e sorriu ao ver que já não precisava mais inventar histórias para serem
contadas. Sentiu uma nostalgia sufocante o preencher, também. Se viu como
menino com um sonho ainda em formação e depois como homem de sonhos realizados.
Sorriu involuntariamente, dando uma risadinha depois. Ele voou e voou longe.
Realizou sonhos, inclusive o seu. E então voltou para a sua base, trazendo
histórias maravilhosas e um amor lhe aquecendo o coração.
Ouviu
alguém se aproximar e notou que era sua mulher, indo sentar-se ao seu lado. Ela
permaneceu em silêncio, observando o ninho dos sonhos do cara ao seu lado.
Sentiu-se sortuda por conhecer o lugar onde tudo começou. Enquanto ele, via que
tudo o que já havia sido sonhado ali, se fora. E se fora da melhor forma. Seus
sonhos foram realizados e ele chegou a conclusão de que precisava de novos para
poder perder noites planejando cada detalhe. Suspirou, tentando imaginar o que seria,
mas não foi difícil descobrir.
Olhou
para seu lado e viu a mulher que fazia seu coração bater aquecido todas as
noites, a mulher que o fez ver a vida de uma nova forma. Já voava, já amava e
estava feliz. O que mais precisava? Lembrou-se de seu pai, trazendo pequenos
aviões para ele depois do trabalho, e escutando suas histórias fantasiosas sob
as estrelas, e assim soube o que teria de realizar naquela etapa de sua vida.
Virou a cabeça para a mulher ao seu lado e sorriu, vendo-a fazer o mesmo.
Seu
próximo sonho seria poder ensinar a alguém tudo o que a vida já havia lhe
ensinado. Seria voltar a ser menino. Seria poder ouvir as histórias fantasiosas
de alguém. E com essa sua nova etapa na cabeça, e sonho no coração, voltou-se
as estrelas, sentindo a nostalgia de ter um novo sonho para poder realizar. Mas
agora, com um detalhe diferente, com alguém ao seu lado.
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